sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Temas sentimentais mantêm tradição das máscaras no carnaval de PE

Papangus animam carnaval em Bezerros, no Agreste do estado (Foto: Ricardo Moura/Divulgação Fundarpe)
Sejam discretas ou maiores com o objetivo de esconder o rosto, as máscaras despertam usos e valores que atravessam a história. Em Pernambuco, onde a tradição dos mascarados vem à tona durante o carnaval nos folguedos populares, a exemplo dos papangus de Bezerros (Agreste) e dos caretas de Triunfo (Sertão), a peça passa a ser quase onipresente em muitas fantasias e vestimentas típicas, dependendo de hábitos culturais arraigados. Mas por que as usamos também em bailes e festas? Especialistas explicam o fascínio pelo artefato que mexe com a imaginação de crianças e adultos, sobretudo entre os pernambucanos.

"As máscaras são um elemento ainda fundamental nas brincadeiras carnavalescas", observa a arquiteta e professora do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), Graça Costa. Doutora em antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a pesquisadora fez um mapeamento dos tipos de mascarados do estado na tese "Lugares, tradições e rostos: máscaras no carnaval de Pernambuco, objetos que falam sem calar sujeitos". O recente estudo, feito com base em visitas, coleta bibliográfica e documental, analisou especialmente as manifestações dos papangus de Bezerros, a 105 quilômetros do Recife, e dos tabaqueiros de Afogados da Ingazeira, no Sertão do Pajeú, a 378 quilômetros da capital.

Máscaras são elementos fundamentais para brincadeira dos papangus (Foto: Chico Ludermir / Fundarpe)

"Elaborei uma cartografia, tomando por base todos os 185 municípios de Pernambuco. Há regiões com maior ou menor presença de folguedos de máscaras, mas é importante ressaltar que não se trata de uma questão de quantidade, e sim de qualidade", conclui Graça, destacando a riqueza de figuras e temas explorados. O urso, o Mateus e a Catirina, a Burrinha Calu, o tabaqueiro e o papangu são alguns dos tipos identificados pela pesquisadora, que também detectou valores sentimentais atrelados aos mascarados em relação ao imaginário coletivo. São quatro: segredo, medo, vaidade e prazer.

A vaidade, de acordo com a especialista, pode tanto estar associada à questão do belo quanto do feio. "Existem as belas máscaras, mas também aqueles que as usam para serem um outro totalmente diferente deles. O prazer está ligado à brincadeira em si. E o segredo funciona para aqueles que não querem ser descobertos", detalha. Muito comum no Interior, principalmente na Mata Sul, nos municípios de Quipapá e Jaqueira, o Zé Pereira foi outro tipo identificado. Totalmente mascarado, ele sai de costas em cima de um jumento sob a missão de abrir o Carnaval.

Já os tabaqueiros de Afogados da Ingazeira andam pelas ruas de chocalho amarrado na cintura e chicote emborrachado à mão. "Os tabaqueiros de Afogados são uma brincadeira centenária que envolve mais de cem pessoas, até crianças que moram em sítio. Também saem para fazer medo, como o papangu", comenta Graça. A burrinha Calu, uma figura dissidente do bumba-meu-boi, é muito presente em cidades da Mata Norte, como Itaquitinga e Paudalho. No Recife e Região Metropolitana, há a maioria desses folguedos mascarados.
A estudante Ana Clara e a mãe dela, Carina,
mostram máscara vendida em loja no Centro do
Recife (Foto: Rafael Dias / G1)


Origens
De acordo com o historiador Leonardo Dantas, as máscaras são uma marca registrada da folia pernambucana com múltiplas origens. "Nossos festejos populares são ricos em máscaras. Temos o bumba-meu-boi, que são 48 tipos de mascarados. E há os entrudos, também conhecidos como mela-mela, que antecipam o Carnaval e traz participantes que, vez ou outra, faziam uso delas", justifica o especialista. Ainda segundo ele, há registros de mascarados desde as procissões religiosas no Século 17, em Olinda e Recife.

"As procissões quaresmais eram um grande cenário, porque havia os grupos de máscaras Sete Pecados Capitais, os Santos Inocentes, as Onze Mil Virgens, além dos fariocos, que eram tipos que cobriam o rosto com uma fronha", detalha o historiador. No século 19, com a popularização das personagens da Commedia Dell'Arte nos teatros pernambucanos, os mascarados europeus, oriundos do teatro clássico grego de 2 mil anos atrás, ganharam corpo nos bailes em clubes e nas ruas do Recife. Em 1845, jornais noticiavam os primeiros bailes de máscaras na cidade.

A tradição da La Ursa, urso muito comum no Recife que visita as casas mascarado para pedir dinheiro, é outra contribuição europeia. "A La Ursa é uma manifestação de origem italiana dos ciganos. Eles tinham sempre um urso ou macaco e iam de porta em porta dançando", informa Dantas.

No Centro do Recife, a Rua de Santa Rita é um dos locais mais procurados para a compra de máscaras. Os valores variam entre R$ 1 e R$ 18. A estudante Ana Clara dos Santos, 11 anos, tentava decidir sobre uma máscara de bruxa, ao lado da mãe Carina Freitas, 31 anos. "Gosto de usar máscara para assustar. Mas vim escolher fantasia para o colégio, e lá é proibido", lamentou. "Minha filha gosta, mas eu não deixo", disse Carina.

No Centro de Artesanato de Pernambuco, no Marco Zero do Recife, a professora cearense Ana Cláudia Leite, 37 anos, procurava uma máscara com as cores de Pernambuco para a filha Maria Catharina, de 5 anos. "Acho lindas. Na minha terra, no Ceará, não tem. Gosto delas pela beleza, para ficar mais bonita", afirmou Ana Cláudia. Encantada com as cores, Catharina não largava uma máscara de papangu de Bezerros. "Gosto dessa porque é pequena e dá para brincar", disse a menina.

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